segunda-feira, dezembro 26, 2005

furtos..

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás....
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
Alberto Caieiro.

eu sou uma ladra de poesia. roubei essa aí pra mim porque sinto minha visão diante da vida extamente da forma que caieiro escreve. antigamente tinha como obrigação racionalizar todas as passagens, estava condicionada. cada olhar, gesto, palavra, intenção. e isso acabava com a magia, e pior, gerava só sofrimento. tá bom.. admito que algumas vezes fica difícil não racionalizar, mas em todas as situações é sacanagem. fecho este ano bem mais leve. aprendi a me respeitar, saber quais meus limites e minhas vontades. não deixo mais os outros ditarem o que eu quero, somente eu posso decidir isso. também me deixo experimentar todas as coisas novas que desejo. livre da culpa e do medo. o que eu quero mesmo é sentir, sentir com toda a intensidade que for capaz.

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Era longa a passarela. Através dela, diversas saletas, com as pistas para descobrir onde estava o "eu". A menina caminhava pela galeria, e calmamente escolhia em que portas estariam as charadas que, mesmo sendo de complicada resolução, poderiam levar com mais celeridade ao "eu". Depois de desdenhar diversas entradas, que em sua razão não aguçariam a curiosidade de uma incógnita das grandes, a menina se sentiu atraída por uma abertura. Para adentrar o cômodo era preciso descortinar o pano vermelho aveludado que barrava a passagem. "O que esconderia esse pano?" Sem pensar duas vezes, entrou. No meio da sala em que o chão era como um tabuleiro de xadrez estava um cavalete. Nele, vários desenhos e pinturas indicavam que rumo tomar.
Agora a menina precisava descobrir se ela queria realmente levantar cada folha, e ver o que estava pintado. Será que conseguiria absorver todas as pistas? Ou melhor, será que estava preparada para realmente encontrar o "eu"? A menina resolveu levantar a primeira folha, que estava em branco. A segunda tela era estranha, meio extravagante... Não ao ponto de causar repulsa, apenas um certo estilo de admiração, uma vontade de olhar por horas e horas, analisar minuciosamente cada detalhe. O fundo era rosa, e não havia nenhuma outra paisagem, a não ser aquele rosa, semelhante ao rosa do fim da tarde, que aparece naquele célere momento em que o sol se põe.
No desenho, feito em tinta, três garotas ruivas estavam sentadas em cadeiras de madeira. Atrás das cadeiras outras três pessoas, que não tinham rosto feminino ou masculino, estavam em pé, oferecendo carinhosamente os cuidados a cada uma do trio recostado. E a menina analisava aquela cena. O desenho se mexia. De tempos em tempos era possível ver os braços se movendo, os olhos piscando, além das feições do rosto demonstrando sensações em cada uma das seis pessoas do desenho.

terça-feira, dezembro 20, 2005

a menina e a lagarta

Sentada no jardim da casa amarela com telhado vermelho cor de terra, aquela menina de vestido de babados acompanhava todos os dias a lagarta. Quando o vento batia nas madeixas negras, fazendo com que os fios passassem pelo rosto, ela cuidadosamente afastava o cabelo dos olhos e das bochechas rosadas e continuava a analisar os passos da lagarta. A lagarta passava por cada nervura das folhas da mangueira, e em cada uma delas retirava uma porção de alimento. As folhas que conheciam o andar da lagarta nunca mais eram as mesmas, ficavam sem um pedaço, o pedaço que havia levado. Mas a lagarta, depois que passava por cada folha, também não era mais a mesma, pois tinha um pouco da energia de cada uma.

E foi assim no primeiro, segundo e terceiro dia. Naquelas manhãs em que calmamente a menina do vestido de babados, ora rosa, ora azul, e até mesmo verde, chegava ao jardim e tirava as sandálias para sentar perto da mangueira. Ao mesmo tempo que estudava o percurso da pequena lagarta amarela de perninhas e antenas pretas, cuidava para que o jardineiro não acabasse com o que ela poderia se tornar: uma bela e esvoaçante borboleta. No quarto dia, depois que largou as sandálias na calçadinha e correu na grama em direção à mangueira, a garota do cabelo que voa com o vento não avistou a lagartinha. Era como se a cena tivesse parado no tempo e no espaço. Onde estaria a lagarta
?